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Receber o Reino de Deus como uma Criancinha

Receber o Reino de Deus como uma Criancinha

Como em todos os acontecimentos extraordinários, também no Milagre de Fátima, há os aspectos superficiais, que se vêem quase a olho nu (o fenômeno, como diriam os técnicos), e o que só o homem interior consegue descobrir.

Ou porque tem o hábito da meditação em profundidade, ou porque se abre à iluminação de graça, que ajuda a penetrar no coração das coisas.

Fátima acontece no início do último século de um milênio que está marcado pela luta quase planetária do homem em busca do domínio total sobre o mundo, uma luta que, em si mesma, corresponde à sua vocação primordial – possuir e dominar a Terra – mas que muitas vezes se transformou num esforço igualmente titânico contra Deus.

Chegamos a este final do milênio sabendo coisas acerca de nós e do mundo que nem as previsões mais otimistas de há um século apenas seriam capazes de sonhar, mas damo-nos também conta de que a aplicação desses conhecimentos conduziu o homem a um beco sem saída de tal modo que nunca como hoje se sentiu desamparado, no centro de um mundo que, quanto mais se lhe revela, mais pavor lhe causa.

É para o homem, assim perdido no meio das perspectivas que lhe criam abusos do seu próprio poder, que surge o grito de Fátima: uma serra inóspita, três crianças simples, sem outra bagagem que a riqueza dos valores humanos cristãos, conservados no seio de duas famílias, tão felizes quanto fecundas.

Três crianças que, a partir de um dado momento, afirmam sem vacilar que encontraram Deus no seu caminho e não querem senão que as deixam tomá-lo a sério, contra tudo e contra todos: até correndo o risco de perderem o que o homem mais aprecia neste mundo e sem o qual nenhuma criança sabe descobrir para que serve a vida, ou seja, o carinho dos pais.

Estes três pequeninos, pastores, uma por necessidade de sobrevivência do lar paterno, os outros dois porque só assim podem ficar o dia inteiro com a prima, este três pequeninos lutam pela sua liberdade interior, que se afirmará tanto mais quanto maior for a seriedade com que acolherem o recado da Mãe o Céu, que lhes fala do amor divino, da ingratidão dos homens, da necessidade de rezar e mortificar-se para que todos se salvem.

Fátima seria assim, antes de mais nada, o grito bíblico que denuncia a ilusão das seguranças puramente terrenas: ‘Maldito aquele que põe no homem a sua confiança, que toma por apoio um ser de carne e afasta do Senhor o coração’ (Jer 17,5).

O que é o pecado, senão este se afasta do Senhor, em busca de seguranças que os dispensem de considerá-lo como origem e fim de tudo?

Foi essa a tentação dos nossos primeiros pais, é esse o caminho de perdição por onde nos meteremos a cada momento, está aí o erro colossal da nossa civilização, que, desde meados deste milênio, luta denodadamente por um secularismo que acaba por desembocar na rejeição de todo o relacionamento com Deus.

Repete-se a blasfêmia e o desfecho da aventura de Babel: o mundo sem Deus auto destrói-se através do esmagamento do homem; o homem, que, desarmado perante as ameaças que descobre por de trás das suas ambições, grita, à beira do desespero.