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Habuc

Habuc

Seu nome era Habuc, pastor de profissão. de tradição. Era pastor como fora seu pai, seu avô, como eram seus irmãos. Com preocupações de pastor, com deveres de pastor, com cheiro de pastor. E isso parece desde sempre.
Mas naquele dia, Habuc estava cansado, desanimado com o pasto escasso, com ovelhas que já davam sinal de fome. Por isso, juntou-as e, um pouco curvado, tomou o cajado e partiu em direção ao rio. Talvez às margens do Jordão encontrasse erva verde para suas ovelhas, repouso e avio para se cansaço, paz para seu espírito agora inquieto.

Junto com suas ovelhas, tratou de caminhar quatro longos e pesados dias e foi com misto de desespero e alegria que finalmente avistou o rio. Sedento e quase sem forças, apressou o passo, tocou as ovelhas e mergulhou o rosto quente na água fresca. Enquanto seu rebanho também se saciava, percebeu que não longe dali, havia um grupo de pessoas; algumas na água, outras na margem. Ficou curioso porque não parecia que estivessem tomando banho ou buscando água. Timidamente foi se aproximando e se impressionando; dentro do rio, um homem, mal coberto por uma pele de camelo, aspecto desleixado demais, porém de voz firme, falando algo que Habuc não conseguia entender bem. Perto dele, também dentro do rio, outro homem, igual a qualquer outro do povo, inclinava-se para que o outro primeiro lhe jogasse água na cabeça. Habuc também não entendeu, mas ouviu claro e bem alto uma voz que dizia: ‘Este é meu filho muito amado’. Mesmo não identificando quem falara aquilo, sentiu suas pernas tremerem e precisou sentar-se numa das grandes pedras. Tinha a impressão de que sua cabeça ia explodir e que seu coração fosse sair do peito.

Curvando-se dolorosamente sobre si mesmo, foi lhe voltando à memória um acontecimento precioso, guardado como segredo. Habuc era bem pequeno, com uns 5 anos. Mas já acompanhava seu pai, tios, rimos, aprendendo o ofício de pastor. Tudo ia muito calmo, até que , numa noite, já bem tarde, foi acordado pelas vozes dos pastores que gritavam. Estavam visivelmente emocionados, um pouco enlouquecidos de alegria e prontos para irem a algum lugar. Habuc coçou os olhos pesados de sono e sem entender nada foi colocado nos ombros fortes de seu pai. outros pastores levaram todas as ovelhas mais bonitas, até o filhote de que ele mais gostava. Pelo caminho quase corriam, apontando para o céu e comentando barulhentos uma história de anjos que cantavam. Habuc gostou daquilo tudo e achava que era festa, porque as estrelas realmente brilhavam com mais força, porque todos estavam tão felizes. E aquele grupo ruidoso de pastores só parou diante de uma estrebaria onde se alojava uma família pobre, pai, mãe e um recém-nascido todo embrulhado. Mas Habuc, porque era bastante pequeno, chegou bem perto, e com seu dedinho sujou de leve o rosto do bebê. E, quando em sua emoção e candura perguntou à mãe quem era aquele ser, ela só respondeu: ‘Este é meu filho muito amado’. A frase agora ardia no coração de Habuc, queimava-lhe os ouvidos.

E como se não bastasse, naquela madrugada Habuc surpreendera seu pai, homem brincalhão e rude, afastado do grupo, das ovelhas, parado, pensativo, falando baixinho: ‘ADONAI, ADONAI, ADONAI! 

Habuc era pequeno, mas entendeu, e nos braços fortes do pai também repetia; ‘ADONAI, ADONAI.’

A imagem do menino entre os animais, de sua família tão acolhedora, o calor gostoso naquela estrebaria no meio da noite gelada, voltaram a aquecer o coração de Habuc, sentado à margem do rio Jordão. Uma só coisa ainda o incomodava. Naquela noite feliz de sua infância, já estavam todos indo embora quando ele se lembrou de perguntar ao pai do menino qual seria seu nome. Curiosidade de criança logo satisfaria pelo homem de sorriso manso. ‘SEU NOME É JESUS’. Habuc voltou para o acampamento saltitando e repetindo as duas palavras novas que aprendera: ‘ADONAI, JESUS, ADONAI, JESUS’E nunca se sentira tão gente como naquela vez.

Agora adulto, pastor feito, sentia-se tímido, sem jeito pela proximidade com aqueles dois homens dentro do rio. Mas, de repente, sem entender porque, Habuc virou para aquele que acabara de receber a água na cabeça e falou baixinho: ‘JESUS’. e Jesus virou-se para Habuc. Tão surpreso como emocionado, Habuc só soube repetir: ‘ADONAI, ADONAI, ADONAI’.

E tudo ficou tão claro quanto a estrela que brilhava naquela noite. Levantando-se porque Jesus lhe estendeu a mão, Habuc, o pastor chorou pela primeira vez na vida.

Frei Yves Terral, TOR