A noite estava estranhamente escura, parecia que a escuridão tinha adquirido densidade. Parecia pesada, gemente, como uma mulher prestes a dar à luz.
Próximo aos túmulos cavados aqui e ali nas pedras, muitos olhos – alguns embaçados pela doença, outros tontos pela fome, outros apodrecidos pela miséria, outros arregalados pelo medo – espiavam.
À espreita, escondidos entre as pedras e as plantas, protegidos pela noite, muitos olhos espiavam os acontecimentos. Ninguém nunca se dava conta de que eles estavam ali; ninguém nunca perguntaria o que eles tinham presenciado e, se viessem, não lhes dariam crédito.
Por isso eles, – os miseráveis de todas as espécies e por todas as causas – podiam olhar a vontade – espectadores privilegiados daquela noite única.
No dia anterior, mesmo os cegos tinham visto o céu tornar-se negro e rasgar-se com fúria, como um grito de homem transpassado pela espada.